OBS: Este não é um filme nos
moldes da expectativa padrão, então sua crítica também não será. Vamos analisar
juntos?
Já é disco arranhado
dizer que todo ano há pelo menos um filme que se torna polêmica de papo cabeça
ou rotulado de indecifrável. Na maioria das vezes não o são, mas ganham tal
fama pelo olhar (mal) acostumado do espectador com obras mais diretas/digeríveis.
Ano passado foi o brilhante Holy Motors, de Leos Carax. Este ano esta categoria
pertence a "O
Teorema Zero" (ou
no original "The
Zero Theorem"), do realizador atualmente quase bissexto: Terry
Gilliam (do humor
inglês cáustico de Monty Python, e diretor de "Brazil: O Filme",
"As Aventuras do Barão de Münchausen").
Seu novo filme tem aquele
misto de pretensioso e ousado, mas não se está debatendo aqui o quão difícil ou
não ele seria de interpretar, e sim se as ideias foram bem integradas ao que se
pretendia exprimir, se estaria sendo original, ou se perderia o foco...
Acontece que Gilliam sempre foi afeito ao bizarro e à fantasia, e já alcançou
trabalhos muito bem acabados e com grandes méritos nesta seara (como em
"12 Macacos" e "Medo e Delírio"), como também já se perdeu
em meio a sua fantasia, sendo difuso ou pouco relevante (como em "Irmãos
Grimm").
Mas o curioso é que ser
filme cabeça, ou rotulado como difícil exige muito mais organização das ideias
e coerência do que parece. Não é a mesma coisa daquela teoria de que qualquer
criança ser capaz de pintar um quadro abstrato somente despejando borrões de
tinta. Ou seja, não basta o público crer que o diretor viajou com LSD. Tem de
querer dizer algo expressivo. Curiosamente, o suposto bicho de 7 cabeças do ano
passado, "Holy Motors", tinha êxito total em juntar vários quadros
distintos ligados por um fio motor: um homem normal guiado por um carro pra
interpretar vários papéis da vida real, mostrando o quão esquizofrênica a vida
pode ser, e esvaziar de sentido se não aplicarmos valores de significância
pessoal.
Já em "The Zero Theorem",
muitas semelhanças com "Holy Motors". O protagonista também parece
procurar o seu propósito, ocupado pelo trabalho do dia a dia: só mudam os
carros para computadores como fio condutor desta busca. Aqui, Qohen Leth
(Christoph Waltz, Oscar de ator coadjuvante por "Bastardos Inglórios"
e "Django") é uma espécie de analista de sistemas que vive neurótico
no trabalho com a própria morte, com voltar para casa e com receber a chamada
de sua vida (estas 3 preocupações são jogos de palavras e metáforas como
regressar para casa, para a origem da criação, perto do Criador, da chamada de
sua vida, qual seria seu propósito). Nisto, ele é designado pelo chefe (Matt
Damon) para resolver a questão matemática da Teoria Zero, e começa a
enlouquecer pois os sistemas que ele processa e põe em seu devido lugar tendem
a tirar os sistemas anteriores do lugar, que resistem a permanecer em suas funções
(corroborando a Teoria do Caos que o filme passa).
Nisso tudo, inúmeros
coadjuvantes de luxo, como uma hilária Tilda Swinton no papel de psicóloga
dele, ou Ben Wishaw e Peter Stormare em rápidas aparições. Ao mesmo tempo, na
forma, o filme começa bastante psicodélico e saturado em cores e tecnologias,
tanto nos figurinos carregados de materiais estranhos multicoloridos quanto nas
inúmeras telas de propaganda que acompanham quem anda pelas ruas (com frases
como: ‘O Futuro já chegou e você perdeu); bem como nos enquadramentos de
câmera, aproximando-se muito do rosto ou distanciando-se em ângulos tortos e
inclinados, como se questionasse a sanidade de todos. Sem falar na cena da
festa ao início, onde todos se divertem isoladamente em seus ipods e ipads, mas
em conjunto, como se distantes e próximos ao mesmo tempo, sem aprofundar nada
(metáfora depois repetida no sexo virtual que o protagonista vem a fazer).
Mas o filme cresce mesmo
é nas interações mais íntimas na Igreja abandonada que serve de abrigo para o
protagonista. Cercada de câmeras feito Big Brother, sempre o avaliando, prestam
visita desde seu interesse romântico (Mélanie Thierry) ao filho do chefe (o
aqui ótimo Lucas Hedges), fazendo com que o protagonista se importe com alguém,
e nós com ele - pois ele não percebia que na espera pelo porvir estava
desperdiçando sua vida. - Onde o maior grau de humanidade/pessoalidade na prática, frente a antes hermética trama muito teórica, fazem valer o exercício.
Acrescenta-se a isso inúmeras
referências à ficção científica em geral (de Matrix a 1984, ou até Chaplin, com
O Grande Ditador, onde se brinca com o Sol ao invés do Globo Terrestre), e,
caso o espectador sobreviva ao excesso de bizarrice carnavalesca repelente
do início, até pode se deixar envolver por camadas mais interessantes.
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